segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O SEXUAL DA VIOLÊNCIA..

O aumento assustador do “consumo da violência” é fato notório: na mídia, o faturamento é garantido na exploração deste veio; quase todas as emissoras de televisão têm programas onde a violência transborda: filmes, muitos deles apresentados na “sessão da tarde” ou seja à disposição de todos; programas onde acompanhamos, ao vivo, a polícia na perseguição de malfeitores; cenas reais de acidentes de carros, quedas de avião, incêndios e outras catástrofes, quando somos prevenidos de antemão que “as cenas que se seguirão podem chocar”.
No cinema, as coisas não são muito diferentes: a ploriferação dos “Rambos” e afins, garantem a lotação das salas; a platéia é basicamente formada por adolescentes e jovens adultos. Nos jornais não se contam mais as notícias onde a violência chega as raias do requinte, as vezes da “curiosidade” como, por exemplo, o episódio do índio incendiado em Brasília, ou dos rapazes nos U.S.A. que mataram entregadores de pizzas para sentirem “como é matar alguém”. Tais episódios revelam uma frustração (inconsciente) que se fecha num circuito perverso: a violência – psíquica ou real – quando atuada na realidade do cotidiano, é punida com violência o que gera mais violência.
Sem negar a participação ativa dos meios de comunicação na divulgação e venda da violência, seria por demais ingênuo atribuir-lhes unicamente a responsabilidade desta situação. Trata-se, antes, de tentar entender este momento que atravessa a sociedade onde tem-se a impressão de que vivemos em uma época na qual a violência individual, assim como a coletiva, se apresenta como uma “solução” aos problemas de identidade. O que esconde essa violência, e a que ela serve? Um esboço de resposta é a da via da satisfação pulsional cuja perda, quando não é devidamente recompensada, pode criar sérios distúrbios.
Se é próprio da civilização, condição mesma de sua existência, grandes sacrifícios à sexualidade e à agressividade , nossa sociedade vai mais longe em suas exigências.
A situação sócio-econômica do mundo atual, a falta de perspectiva e de confiança no futuro, o crescimento mundial do desemprego, a dificuldade de estabelecimento de ligações afetivas estáveis, e muitos outros fatores, tudo isto gera uma desesperança social generalizada obrigando a sociedade, mas sobretudo a juventude, a um renunciamento cada vez maior de satisfação pulsional.
Tal situação é particularmente dramática nas camadas sociais menos favorecidas, vítimas potenciais da propaganda (perversa?) do capitalismo. Mas a “garantia” de que a satisfação pulsional tanto adiada será, finalmente, alcançada, atinge a todos com a promessa de que, através do consumo, a dimensão do desejo, falta fundadora do sujeito humano, será abolida.
Não é por acaso que o uso de drogas vem se expandindo em todas as camadas sociais: a droga, satisfação garantida de “felicidade” ainda que efêmera, constitui, por vezes, a única resposta que o indivíduo encontra lá onde a sociedade, como experiência humana, nada tem a oferecer-lhe. Junta-se a tudo isto um outro aspecto do problema que diz respeito a “liberação” sexual deste século mas sobretudo a chamada “revolução sexual” dos anos sessenta.
Sem dúvida, os movimentos sócio-políticos daqueles anos foram responsáveis por grandes transformações sociais cuja extensão dos resultados ainda não foi totalmente avaliada. No campo da sexualidade ocorreu aquilo que pode ser chamado de uma “desrepressão” da sexualidade.
Entretanto, e esta diferença é fundamental, esta desrepressão não foi acompanhada de um “desrecalcamento” da sexualidade. Temos aqui duas dimensões do problema que devem ser tratadas diferentemente. De um lado, a repressão sexual que varia segundo a cultura, a época, os costumes e os valores; de outro lado, o recalcamento, movimento constitutivo do ser humano e condição própria para a existência da civilização, presente em qualquer época e em qualquer cultura.
Nas últimas décadas as crianças, que são filhos e filhas daqueles que fizeram a “revolução” dos anos sessenta, têm recebido uma educação sexual bem mais realista onde os pais tentam responder às perguntas das crianças de forma mais honesta e onde assuntos relativos à sexualidade não constituem mais tabus: fala-se de tudo, pergunta-se de tudo, é comum ver-se adolescentes levarem as companheiras/os para passar a noite em suas casas; a questão de casar-se virgem deixou de ser uma preocupação; a gravidez fora do casamento não é mais um escândalo, e assim por diante.
Entretanto, a sexualidade em si, foi muito pouco alterada por esta desrepressão. Ou seja, a maior liberdade da sexualidade genital, não tornou o contato com o sexual mais simples. Em muitos casos, o efeito foi o contrário. A “Revista da Folha” do Jornal Folha de São Paulo, em sua edição de 25 de maio de 1997 publicou uma matéria sobre a sexualidade dos adolescentes. A capa estampava a frase que ilustra bem a situação: “Adolescentes transam cada vez mais cedo, quase sempre sem prazer”.
A sexualidade constitui o enigma por excelência do ser humano, sobre o qual a desrepressão da sexualidade genital não tem nenhum efeito. Tal como Édipo frente à esfinge, a cada um de tentar responder ao enigma que sua própria sexualidade lhe impõe – resposta esta que é única como é único cada ser humano. Assim, ao exigir, principalmente aos jovens, performances que ignoram a dimensão fantasmática presente nas relações sexuais, a sociedade impõe respostas concretas dificilmente alcançáveis pois não levam em conta que o sexual é um mosaico escalonado em diferentes registros, contendo formas de prazer diversos, múltiplos e por vezes inconciliáveis.
A confusão gerada por este estado de coisas é grande: os consultórios estão cheio de pessoas de todas as idades que procuram ajuda por “problemas sexuais” os mais variados. É comum ouvir alguém dizer que não sabe porque está tendo problema nesta área pois”este assunto nunca foi tabu. No entanto, na hora de transar não sei o que acontece comigo.” É bem aí que o enigma da sexualidade aparece em toda sua dimensão: o que significa “transar” para o ser humano? Que cenários fantasmáticos inconscientes são então evocados?
Nos adolescentes estes problemas aparecem de forma mais aguda pois a entrada na vida sexual adulta reatualiza conflitos edipianos. Estes elementos recalcados, que constituem o capital da sexualidade, continuarão, por definição, sempre recalcados independentemente do sujeito ter tido, ou não, uma informação sexual mais ou menos reprimida.
Ao mesmo tempo, a partir do momento que a sexualidade genital não é mais tabu, os perigos de derrapagem são, consequentemente, maiores: não é raro assistirmos o diálogo aberto entre pais e filhos sobre a sexualidade, se transformar em cenas de sedução. O “tudo dizer” pode ter como efeito um bloqueio da sexualidade genital pois pais e filhos não estão imunes ao retorno de moções pulsionais recalcadas geradoras de culpa e inibições: uma repressão menos intensa não é garantia de satisfação pulsional. Daí o aparecimento das novas formas de sintoma a que temos assistido.
Entretanto, a renuncia da satisfação não se limita apenas à esfera da sexualidade genital abrangendo outros setores da existência: quando os valores sociais de felicidade transformam-se em ideais, cria-se entre o Eu e estes “valores-ideais”, uma distância intransponível. Consequentemente, a capacidade de fantasiar do sujeito, tão importante para o equilíbrio psíquico, se vê comprometida fazendo com que o acúmulo de energia supere a função reguladora do princípio do prazer-desprazer instaurando, desta forma, uma situação de trauma.
A frustração oriunda de tendências pulsionais não satisfeitas faz com que o psiquismo procure outras formas de descarga de energia. Ora, certas formas, ou práticas, de violência constituem formações substitutivas – sintomas – que permitem a descarga dos componentes agressivos das moções recalcadas. Dito de outra forma: sob a primazia do princípio de prazer, a violência pode ser a única válvula de escape encontrada pelo sujeito para lidar com a aumento crescente da tensão psíquica interna.
Entende-se então melhor o sucesso crescente de filmes, programas, reportagens, etc, onde a violência é o tema central: se a a violência pode constituir, como foi dito, uma satisfação substitutiva da moção sexual recalcada e o aumento crescente da violência se explica pelo aumento, igualmente crescente, da insatisfação pulsional.
Digno de nota é o fato de alguns filmes apresentam, através de situações contrastantes onde violência e ternura se misturam e nas quais a presença (recalcada) de componentes sexuais é inegável “soluções” para este estado de coisas: ao lado de cenas onde o perseguido é cercado por um verdadeiro exército de policiais com armas em riste prontos, ante o menor movimento do suspeito, a atirar primeiro e perguntar depois, vê-se sequências onde tudo é feito para salvar um vida.
O aparato para o socorro nada deixa a desejar em sofisticação ao usado para o cerco, as vezes com a morte, do “bandido”. Existem também aquelas sequências onde, após tudo ter sido devastado e os mortos se contarem às centenas no mais furioso e cruel dos combates, a câmara se volta para uma cena de profunda ternura, do gênero um criancinha abandonada e vítima da chacina, trazendo assim a calmaria aos espectadores. Este tipo de situação pode ser traduzida pela seguinte equação: aumento da tensão => descarga (orgasmo) => relaxamento.
“O desenvolvimento do indivíduo, escreve Freud , nos parece ser um produto de interação entre duas premências, a premência no sentido da felicidade, que geralmente chamamos de ‘egoísta’ e a premência no sentido da união com os outros da comunidade, que chamamos de ‘altruísta’”. Quando a possibilidade de se encontrar compromissos mais satisfatórios com a realidade se encontra entravada, a vida psíquica passa a ser regida por um sistema pulsional excessivo comprometendo o equilíbrio entre as duas premências constitutivas do sujeito. O recurso à violência pode ser, então, a única saída para se manter o mínimo de “saúde” psíquica.
Paulo Roberto Ceccarelli*

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