
DOIS ANOS ATRáS, quando fui bolsista num programa acadêmico para jornalistas de ciência nos EUA, fiquei intrigado quando fui pedir ao instrutor de um curso de neurociências que me deixasse acompanhar as aulas como ouvinte. Sebastian Seung, um neurocientista americano de ascendência coreana, mais parecia um figurante saído do clip de Gangnam Style do que um professor-titular do renomado MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
Usando uma camisa cheia de cores, uma calça esfarrapada e um tênis prateado, o pesquisador facilmente se confundia com um aluno de graduação, apesar dos seus 44 anos. Seung me deu acesso à classe, e numa de suas primeiras aulas descobri que ele era uma das figuras-chave num dos programas mais ambiciosos da neurociência contemporânea. Sua meta é criar uma técnica de análise para mapear o chamado “conectoma” humano –o conjunto total de sinapses, as conexões entre neurônios do cérebro e do restante do sistema nervoso.
Contrastando com seu figurino extravagante, suas aulas eram relativamente formais. O curso tinha o programa dividido entre três professores, e Seung tinha assumido a função de descrever aos calouros do MIT a anatomia e fisiologia de um neurônio individual, tarefa que cumpriu com uma detalhamento e uma determinação admiráveis.
O talento de Seung para lidar com o público não iniciado pode ser apreciado agora em “Connectome”, livro que o pesquisador lançou no ano passado, ainda sem tradução para o português. A obra descreve o como e o porquê do projeto de mapeamento do conectoma humano. Sua tese básica é a de que o cérebro é um órgão mal compreendido porque seu funcionamento só vai se revelar para valer quando cientistas puderem computar todas as sinapses.
Essa promessa de avanço futuro, que requer o uso de uma ferramenta ainda inexistente, pode levantar suspeitas entre os mais céticos. O avanço da neurociência tem sido mais lento do que muitas pessoas esperavam algumas décadas atrás, e colocar o mapeamento do conectoma como precondição para que esta área da ciência dê uma volta por cima pode soar como uma justificativa para a demora.
O neurocientista Eric Kandel, ganhador do prêmio Nobel de Medicina de 2000, já afirmou que esse problema acabou colocando a psiquiatria numa crise, tornando-a incapaz de descrever transtornos mentais com base em biologia. Quase todos os males psiquiátricos são diagnosticados só com base em comportamento e em sintomas, em vez radiografias e testes de sangue, como faz a oncologia. A nova versão do DSM, o manual mais influente da psiquiatria, estava tentando mudar sua abordagem, mas desistiu diante da falta de conhecimento necessário para tal. (Luis Augusto Rohde, cientista gaúcho que participou da elaboração do manual, falou sobre essa frustração em entrevista recente à Folha.)
Não existe saída fácil dessa encruzilhada, e o principal mérito de Seung talvez seja o de tentar vislumbrar uma solução sem desprezar a gravidade do problema. Alguns neurocientistas defendem que as pesquisa sobre fisiologia do cérebro feitas com base em máquinas sofisitacadas de ressonância magnética seja traduzidas diretamente para a psiquiatria, mas o professor do MIT se diz cético quanto às esperanças de avanço. Esse tipo de tecnologia ainda é muito impreciso para captar o emaranhado de neurônios em escala minúscula, e Seung os classifica como neo-frenologistas –numa alusão à pseudociência da frenologia, que no século 19 buscava diagnosticar transtornos mentais examinando o formato do crânio das pessoas.
Seung não usa esse termo de forma ofensiva, porém, e reconhece que a ressonância magnética trouxe muitos avanços na compreensão de como o cérebro funciona. O progresso, porém, foi insuficiente. Não podemos atribuir um diagnóstico de depressão, autismo ou esquizofrenia, ainda, apenas com base em imagens do cérebro.
A solução para que psiquiatria cumpra sua ambição, segundo Seung, seria o sequenciamento de todos os neurônios humanos, uma empreitada que, de maneira modesta, já começou. O objetivo é analisar um cérebro humano, que possui cerca de 100 bilhões de neurônios, para mapear todas as sinapses que os conectam uns aos outros, estimadas em algo na ordem de 100 trilhões. Como já falei demais aqui, deixo para o próximo post uma descrição melhor sobre o projeto de Seung.
Texto escrito por Rafael Garcia
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