Antes de chegar a qualquer definição sobre a inveja, devemos olhar para nossas próprias consciências, e nos perguntar: Quem acha que já foi alvo de inveja?...e depois sem nenhum temor: “Quem é invejoso”? No segundo questionamento com certeza poucos sentem-se livres para admitir. Ao contrário dos outros pecados capitais, a inveja é um “pecado envergonhado”. Mesmo com todo contorcionismo interior, mesmo as pessoas mais psicanalisadas, não admitem que sente inveja. É o único pecado capital que ninguém admite. Tem pessoas que admitem que sentem “orgulho”. Que é bom sentir “orgulho”. Tem pessoas que também gostam de dizer que “ficam iradas”,até por motivos triviais e bobos. Orgulhar-se da luxúria abertamente é uma das características mais antigas dos homens em particular, e das mulheres privadamente. Tem pessoas que adoram admitir a gula também. Preguiça é orgulho generalizado. E quem diz claramente: “eu tenho uma profunda inveja”de tal pessoa...e salamandras do gênero... quem diz??? Mas porque será que ninguém admite?
Inveja não é cobiça, nem avareza. Cobiça é apenas desejar as coisas dos outros. É vontade de ter o que o outro tem. Pode ser negativa ou positiva. Pode ser o seguimento de bons exemplos. Mas a inveja é sempre negativa. Inveja nunca é positiva. É sempre tristeza pela alegria alheia. Tomas de Aquino definiu a inveja como “tristeza pela felicidade do outro”.
Não se trata da vontade de ter o que o outro tem. A inveja é a tristeza por saber que o outro tem. A dor por ver o que o outro tem. Dor pelo sucesso alheiro. Inveja da prosperidade alheia, beleza , o carro, a casa.
O invejoso não vê a si. É uma cegueira. Vê apenas o outro e o objeto de alvo de inveja. Dante expressou perfeitamente o invejoso: Um ser com os olhos costurados com arame. Colocou os invejosos no inferno, e com os olhos costurados com arame.... até purgarem os seus pecados. O castigo dos invejoso no "Inferno de Dante".
As pessoas sentem-se “invejadas”, mas jamais “invejosas”. A inveja sempre se refere a alguém próximo. Ninguém sente inveja por pessoas históricas, heróicas e grandes. E sim pelos colegas de trabalho, o vizinho, o cunhado, parentes...quanto mais próximo pior. Perdoamos sucesso de alguém distante, mas não de alguém próximo. Uma pesquisa americana demonstrou que não importa o “quanto” o sujeito ganha, mas o que importa é que ele saiba que ganha mais que o colega. Isso dá muito prazer. Quanto mais próximo mais comparável, e mais alvo de inveja. É mais fácil mulheres sentirem inveja entre mulheres, e homens entre homens. Dize-se frequentemente: “eu não consigo isso e aquilo na vida , por que fui alvo da inveja”. Isso não dá certo, “porque há muita gente invejosa”...“tem muito olho grande”. A inveja é sempre dolorosa porque é sempre uma homenagem indireta à quem se inveja.
A inveja é a incapacidade de reconhecer uma falha própria. É a falta máxima da máxima socrática“conhece-te a ti mesmo”. Ninguém reconhece seus próprios erros. O genuíno reconhecimento pelo sucesso dos outros é um profundo exemplo de afeto. O sucesso sempre é sinal de dor, de afastamento de amigos. Apenas mães heroicas conseguem ser felizes com o sucesso dos filhos. As vezes dá até medo de admitir que se está feliz, ou apaixonado, que se está bem e feliz. Receberás desconfiança e afastamento com certeza. Mas se você estiver mal, com certeza terás solidariedade de sobra.
A inveja é um pecado universal. Logo no primeiro livro da bíblia na tradição judaico-cristã, Caim e Abel. Caim foi o primeiro condenado da história. Segue-se depois Esaú e Jacó. José e seus irmãos...As famílias bíblicas são marcadas pela inveja. A inveja do irmão do “filho pródigo”...(mas sabemos que era assim apenas naquela época, pois hoje vivemos em outro tempo, onde as famílias vivem harmoniosamente, em festas natalinas marcadas por harmonia e felicidade plena, simbolizadas por diversos objetos de consumo com slogans extremos e de frases de profundidade e sabedoria que demonstram como as pessoas são felizes e realizadas, e sem competições ou comparações...)
Então, quando Deus atende Abel, e não Caim, logo este fica com o “rosto abatido”, sente inveja do irmão. Diz-se no gênesis: “Porque andas irritado e com o rosto abatido? Não é verdade que se fizeres o bem andarás com o rosto erguido, e que se fizeres o mal andarás o pecado espreitando-te a porta?” E após vem a frase decisiva... “ A ti vais o teu desejo, mas tu deves dominá-lo” É natural sentires inveja, é parte da natureza humana, mas tu deves aprender a dominá-la. Como se Deus dissesse no Genêsis, “o desejo de todo mundo é a inveja, e a ti vai o teu desejo”. A inveja de Caim levou ao primeiro homicídio da história.E Caim foi condenado a viver para sempre, com a marca na testa, vagando sozinho.
Nas parábolas evangélicas, todas demonstram a intenção de Jesus, de mostrar que a misericórdia vence a inveja. Como o pai não terá misericórdia com o filho pródigo que retorna ao lar? O centro da parábola não deveria ser o “filho pródigo”, mas o irmão invejoso. A parábola originalmente representa uma crítica aos fariseus: apenas cumprir a lei não basta, é preciso praticar a misericórdia. O irmão invejoso representa as pessoas que hoje “se acham” as mais puras e corretas. E a parábola vai além, diz que não basta apenas ser fiel, fidelidade não é a única prova de amor. Apenas por medo ou falta de oportunidade que não fiz o que desejava? O problema maior proposto pelo evangelho de Lucas é o amor superando a lei, a misericórdia superando a regra, a dedicação, a caridade, a generosidade superando a inveja.
Na grande Literatura também aparecem protótipos da Inveja. Cássio inveja o grande Otelo, de Shakespeare. Porque Otelo apesar de aparência moura, de ter mais melanina do que seria esperado de um dirigente de Veneza, desperta a inveja de Cássio, que não tolera a primeira promoção de Otelo. E depois Otelo preferiu outra pessoa ao invés de Cássio num próximo ciclo de promoções. Então Cássio decide suscitar ciúmes, o demônio de olhos verdes contra Otelo. Consegue destruir a Otelo, Desdêmona e à ele próprio. A inveja de Cássio somou para o ciúme. Cássio representa a pessoa que não é promovida, e que fica cega e sem um mínimo de reflexão. Porque não fui promovido? Será porque não tenho tanto talento e capacidade? Será porque tenho menor desenvoltura?
Quando escuta-se um candidato derrotado num concurso, jamais escutaremos uma fala de a si próprio que seja justa. A derrota deve-se sempre por “culpa” dos avaliadores que “preferiram” e “protegeram” o outro. Reconhecer a vitória do outro é muito doloroso. É uma ideia errada de si mesmo. É ter uma ideia superior de si do que se é realmente.
A inveja é tratada classicamente, porque ela é um defeito em primeiro lugar filosófico contra a máxima socrática “conhece-te a ti mesmo”. O invejoso não se conhece, o invejoso não vê. Em segundo lugar, ela não atenta para uma questão religiosa(para quem é religioso), a misericórdia com o próximo.
(Leandro Karnal, professor, escritor, historiador)
Obs: Fiquei honrado por esse grande pensador ter usado a expressão " SALAMANDRAS DO GÊNERO". Obrigado!
Texto enviado por Cátia Cavalheiro- Panambi
Texto enviado por Cátia Cavalheiro- Panambi
Ótimo texto.
ResponderExcluir